Mandado de segurança determina que governo do estado pague o piso
A coordenadora pedagógica Ludimilla Silva, 39 anos, trabalha na rede estadual de educação em Serrinha, no Nordeste da Bahia, e enfrenta uma jornada puxada. No final do mês, seu contracheque aponta o salário base de R$ 1.272,26, por 20 horas semanais, valor abaixo do salário mínimo. A professora de matemática, Salma Pereira, 49, também tem rotina agitada. Leciona em escolas privadas durante o dia, para crianças do Fundamental, e à noite dá aulas para estudantes do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) em uma escola pública do Estado no Alto das Pombas, em Salvador. Formada e pós-graduada em Educação, o salário base da profissional é de R$ 1.415, por 20 horas semanais.
O que acontece com as duas e com outras docentes é uma mudança no entendimento de grau da carreira, ocorrida em 2018, e que deixou muitos profissionais sem receber o piso da categoria. Depois que o CORREIO denunciou em reportagem recente que professores da rede pública estadual estão recebendo aposentadorias abaixo do salário mínimo, outros profissionais, desta vez da ativa, procuraram o jornal e informaram que estão passando por situação similar há cinco anos. Eles fazem parte do chamado ‘quadro especial’ e não recebem o piso salarial da categoria, mesmo com formação superior e cumprindo as jornadas de trabalho. Nesta terça-feira (11), uma audiência pública vai discutir o assunto.
Atualmente, um professor da rede estadual recebe R$ 3.845,63, esse é o piso nacional de 2022, mas a coordenadora pedagógica Eliana* recebe cerca de R$ 2,5 mil, para 40 horas semanais. Isso acontece porque ela foi contrata em 2018, com o grau inicial denominado IIA. No final daquele ano, esse grau e outros três (I, IA e II) foram extintos. A partir daí, os novos docentes passaram a ser contratados como grau inicial III.
“O que deveria ter ocorrido era a migração dos profissionais contratados como I, II, IA e IIA para essa nova categoria, já que esse passou a ser o novo grau inicial da carreira, mas não foi isso o que aconteceu. Colocaram a gente no que eles chamaram de ‘grupo especial’ e ficamos sem direito ao piso salarial e aos reajustes”, contou.
Nesta terça-feira (11), haverá uma audiência pública na sala das comissões da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) para discutir entre outros assuntos a inclusão desses profissionais na tabela do piso salarial. O encontro está marcado para às 9h.
Curso
Em dezembro de 2022, um grupo de professores participou de uma reunião com representantes da Secretaria Estadual da Educação. A coordenadora pedagógica Ludimilla viajou de Serrinha até Salvador para participar do encontro, e recebeu uma resposta que não atendeu as demandas da categoria.
“Disseram que a gente precisava fazer um curso para mudar para o grau inicial III, que garante o pagamento do piso salarial. Esse curso deveria ser anual, mas desde 2018 que ele não é oferecido pelo governo. Além disso, o governo está colocando o curso como uma condicional para a categoria receber o piso salarial ao qual ela tem direito”, explicou.
Para fazer valer o direito alguns profissionais recorreram à justiça e conseguiram ganho de causa, mas a categoria alega que o processo é lento. Atualmente, o salário base de Ludimilla é abaixo do salário mínimo de R$ 1.302 e a diferença vai aumentar em maio, quando entra em vigor o reajuste anual, e o mínimo será de R$ 1.320.
Segundo o coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB), Rui Oliveira, o número de profissionais recebendo menos que o piso na Bahia é inferior a 5% da categoria, mas ele não soube precisar a quantidade exata de trabalhadores nessa condição. A Secretaria da Educação da Bahia (SEC) também não informou os números.
No dia 10 de março, o sindicato conseguiu um mandado de segurança que obriga o estado a pagar o piso salarial para toda a categoria, mas o documento não explicita a data para o cumprimento da decisão. Os professores contaram que a folha de pagamento foi fechada no dia 25 de março, e que não teve reajuste. Rui lembrou outro episódio.
“Em 2012, depois de uma greve de 150 dias, o Governo da Bahia transformou o salário de alguns professores em subsídio e isso fez com que alguns não tivessem reajuste há oito anos, ficaram defasados, e a lei do piso é clara: ninguém pode ganhar menos que o piso salarial nacional, por isso, acionamos a Justiça. Mas a maioria dos trabalhadores é de grau III para cima”, contou.
O mandado de segurança foi concedido por unanimidade pelos magistrados integrantes da Seção Cível de Direito Público, do Tribunal de Justiça da Bahia. O relator, desembargador Paulo Alberto Nunes Chenaud, afirma que o estado alegou falta de recurso, que pediu que qualquer pagamento retroativo tenha como marco a data do início do processo, há cerca de um ano, e que questionou a legalidade da ação.
O desembargador frisou que contracheques anexados ao processo comprovam o pagamento inferior ao piso, concordou com a data limite retroativa e afirmou que a ação é legal, concedendo o mandado de segurança.
“Também não há que se falar em inexistência de recursos para integralização do valor do piso, uma vez que suposta ausência de previsão orçamentária não pode servir como argumento para exonerar a Administração Pública do cumprimento de seus deveres legais”, diz, na decisão.
O CORREIO perguntou para as Secretarias de Administração e da Educação se o governo vai recorrer da decisão, mas elas não se manifestaram.
Denúncia causou indignação e perplexidade nas redes sociais
A reportagem que denunciou que professores aposentados do estado estão recebendo menos que um salário mínimo de aposentadoria causou comoção e indignação nas redes sociais. Uma leitora desabafou. “Que absurdo! A pessoa se dedica a vida inteira pela profissão e quando consegue se aposentar ainda é humilhado dessa forma”, disse.
Outra também manifestou tristeza. “Infelizmente uma grande desvalorização da classe”. E houve também indignação. “Enquanto outras profissões são tão valorizadas e bem remuneradas os professores segue com seus míseros salários e a violência nas escolas contra eles. Mais respeito, salário dignos tanto para os que estão exercendo e para os que já se aposentaram e reconhecimento”, escreveu uma mulher.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que não atua na área de Direito Previdenciário. O Ministério Público e as secretarias da Educação e de Administração não se manifestaram. (Correio)
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