Uma mulher de 58 anos denunciou abusos sexuais cometidos pelo ex-marido, contra as duas filhas dela, na cidade de Feira de Santana, a 100 quilômetros de Salvador. Os casos ocorreram há mais de 20 anos, quando as vítimas ainda eram crianças.
As vítimas, que atualmente têm 34 e 38 anos e não quiseram ser identificadas, confessaram à mãe, Eleonora Gomes Sampaio, no final do ano passado, que receberam “carícias” do suspeito durante a infância. Elas contaram ainda que, na época, não tiveram coragem de relatar a situação.
O suspeito é o radialista Rogério Magalhães de Santana, de 53 anos. Ele é pai da vítima mais nova e era padrasto da mais velha. Nesta quinta-feira (20), Rogério está internado com Covid-19, em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral Clériston Andrade, em Feira de Santana.
Eleonora chegou a denunciar o caso pelo Disk 100 em janeiro deste ano, mas também procurou a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). Segundo a delegada Maria Clécia Vasconcelos, responsável por investigar o caso, a ocorrência foi registrada no final do mês de fevereiro.
A filha de Eleonora e Rogério prestou depoimento no dia 16 de março, na Deam. A outra vítima, ex-enteada do suspeito, não mora em Feira de Santana e só pôde prestar depoimento no final de março, por meio de carta precatória – que é quando o documento para intimação de depoimento passa por comarcas e cidades diferentes.
“Existem alguns obstáculos nesse caso. O primeiro é que ela [Eleonora] veio na delegacia no final de fevereiro deste ano. Só que uma das vítimas reside em outra região da Bahia, e houve demora na carta precatória para lá. A segunda é que, quando chegou o momento do suposto autor prestar depoimento, fomos informados de que ele está hospitalizado com Covid”, explicou a delegada.
O impasse judicial vivido pela família de Eleonora, é que há possibilidade do crime prescrever. O advogado dela, Joari Wagner Marinho Almeida, explica que a filha mais velha, ex-enteada do suspeito, sofreu os abusos entre os 6 e 12 anos, e completa 39 anos no início do próximo mês.
“A legislação penal diz que o prazo prescricional maior que nós temos, que é de 20 anos, vai acontecer da data em que as vitimas completaram 18 anos, começando a contar a partir do momento que elas completam maioridade, em crimes sexuais e afins. O caso delas foi descoberto tardiamente, e uma delas está prestes a completar esse prazo, mas estamos tentando fazer com que esse cidadão seja responsabilizado”, explica.
Rogério está internado no hospital desde o dia 15 de maio. O advogado dele, Andrey Smith Daltro Santos, informou ao G1 que, dias antes de Rogério ser internado, o suspeito chegou a entrar em contato para falar sobre o caso, mas informou que não poderia ir na delegacia prestar depoimento porque estava com Covid-19.
Andrey disse também que ainda não teve acesso ao inquérito, e que só vai falar sobre o caso quando tiver os autos em mãos, e Rogério receber alta médica, para que possa ouvi-lo sobre as acusações.
O advogado da família de Eleonora explica que, por causa da falta de depoimento do suspeito, por enquanto não há processo sobre o suposto caso de pedofilia, apesar de já haver a investigação. Esse processo será instaurado com a conclusão do inquérito policial.
“Concluindo as investigações, o inquérito policial vai para o Ministério Público, que certamente vai oferecer denúncia, e aí o juiz recebe ou rejeita”, detalha Joari.
Abusos contra as filhas
Eleonora contou ao G1 que os abusos começaram com a filha mais velha dela, fruto de um relacionamento anterior, quando a vítima tinha cerca de 6 anos. Na época, a menina tinha medo de ficar em casa com o então padrasto e pedia à mãe para morar com o pai.
“Ela ia ficar com o pai nas férias e chorava, pedindo para não voltar para minha casa. Na adolescência, decidiu morar com ele [pai]. Eu achava que era saudade do pai, mas na verdade, o motivo era outro”, detalha.
Já a filha mais nova de Eleonora, que é filha do suspeito, relatou para a mãe que foi abusada por ele uma vez, quando tinha 11 anos. Eleonora só descobriu que as filhas foram abusadas em outubro de 2020.
“Elas fizeram juntas um curso de tethahealing [processo de meditação], e teve uma dinâmica. Nisso, elas acabaram descobrindo que tinham essa história em comum. Mas nunca tinham tocado nesse assunto, nunca compartilharam essa experiência, tamanho o trauma”, afirma Eleonora.
Após tomar conhecimento da situação, Eleonora conseguiu convencê-las a denunciar os casos. “Nós temos netos, temos sobrinhos, e eu pensava em impedir que ele fizesse o mesmo com eles, com outras crianças. Mostrei para minhas filhas que o problema era muito maior do que aconteceu com elas”, disse, reforçando que as duas, inicialmente, não queriam denunciar o suspeito.
Anos antes, a mulher conta que flagrou o ex-marido assistindo conteúdos pedófilos no ambiente de trabalho. Apesar disso, Eleonora diz não ter percebido o que se passava na própria casa. Ela detalha que vivia uma relação abusiva e que ele conseguiu convencê-la de que não tinha acessado as páginas na internet.
Esse tipo de abuso psicológico é denominado gaslighting – que é quando o abusador distorce, omite ou cria informações, para fazer com que a vítima duvide de si, do que viu e às vezes da própria sanidade.
No final de 2020, as lembranças do passado voltaram à tona e, em uma conversa informal com a filha mais velha, perguntou se já havia ocorrido algo entre ela e o padrasto, e recebeu a confirmação. “Meu mundo se despedaçou. Passei mal, chorei muito”.
“Aí eu disse: ‘Filha, ele precisa ser denunciado’. Aí ela disse: ‘É muito difícil para mim. Já passou’. E eu disse: ‘Não passou, minha filha. Essas coisas não passam. Eu disse: ‘ Vou fazer uma outra pergunta. [O suspeito] é um pedófilo?’ E ela disse: ‘Sim, ele é um pedófilo’”, contou.
Depois de saber que o algoz da filha era o padrasto, Eleonora procurou saber sobre a filha mais nova. “Perguntei: ‘Teu pai foi teu abusador?’. Ela resistiu, mas depois disse que sim”.
“Daí por diante não conseguiu dormir, estudar, fazer mais nada na vida. Desmontei como pessoa, ficava buscando na minha cabeça em que momento não vi que isso estava acontecendo. Carrego um sentimento de culpa horrível, muito forte, e a única forma de tentar amenizar isso é fazendo Justiça”.
Violência doméstica
Além do caso dos abusos contra as filhas, Eleonora já havia entrado com outros dois processos contra o ex-marido, ambos por agressão. Ela e o radialista foram casados durante 30 anos e tiveram um relacionamento abusivo, marcado por uma série de traições, agressões verbais e físicas.
Eleonora conta que, em uma das vezes, precisou fugir de casa com uma das filhas, após ele ameaçá-la de morte com uso de um facão. Em 2016, quando já estava separada, Eleonora entrou com pedido de medida protetiva, que foi concedida. A Justiça determinou que ele respeitasse a distância mínima de 300 metros dela.
O segundo processo movido por Eleonora contra o radialista foi em 2017. Por correr na Vara de Família, o caso está sob sigilo. Através do acompanhamento processual, pelo site do Tribunal de Justiça da Bahia, o G1 verificou que as audiências referentes a este caso foram adiadas por prazo indeterminado, por causa da pandemia.
“Não tem compaixão, não tem perdão, não tem conversa. Eu quero ele preso e quero que ele responda pelo crime que cometeu contra minhas filhas”, desabafou Eleonora. (G1)
0 Comentários